Esta mini-série vem na sequência da série de 9 textos sobre a Jugoslávia, intitulada "Uma guerra de mentiras". Estes textos irão apenas abordar a presença portuguesa na Bósnia.
Esta presença não foi tão heróica como pintada em Portugal, nem o governo tem razão nem os pais dos militares. A versão dos soldados? Quantos já viram a falar abertamente do que viveram sem ser em conversas de amigos? Poucos ou nenhum e se esses poucos existiram podem esperar represálias do governo devido aos 10 anos de silêncio a que estamos legalmente obrigados. Não pela lei civil mas sim pela militar. Lei essa que pretendem alterar, aumentando o tempo de silêncio e o peso das penas aplicadas.
Quando as primeiras tropas portuguesas partiram para a Bósnia foi criada uma imensa campanha televisiva com o adeus às tropas. Mães, pais, irmãos e namoradas a chorar na TV. Gritos desesperados de "estão a obrigar o meu filho a ir para a guerra". O governo referia que todos os soldados que estavam a partir eram voluntários, os pais davam entrevistas dizendo que os filhos não eram voluntários e que foram destacados para a guerra, e a imprensa alimentava esta discussão falando em "voluntários à força", um termo também usado por um anónimo neste blogue que se diz ex-militar.
Quem tem razão? Neste caso o governo tem a razão!
Todos os soldados enviados, eram paraquedistas, pois isto foi antes das missões no estrangeiro serem um negócio de cunhas onde as altas patentes da PSP, que não possuem o mínimo de preparação de combate, têm hoje prioridade sobre um soldado para irem em missões em busca dos chorudos pagamentos.
Um soldado paraquedista para o ser, tem de ser voluntário. Quem é voluntário seja para que ramo das forças armadas for, é voluntário para tudo, para tempo de paz, para tempo de guerra. Pode ser destacado para qualquer função em qualquer parte do país ou do mundo. É voluntário para fazer o serviço militar, voluntario para receber e dar formação, voluntário para morrer se necessário (mas na maioria dos casos é voluntário para comer, dormir e treinar), pois foi voluntariamente que deu o seu nome e que assinou o seu contrato. Contrato esse que poderia não ter assinado após ter cumprido os 4 meses de recruta. Portanto todos os que partiram, com ou sem vontade de ir para a Bósnia eram voluntários, pois eram parte de uma unidade voluntária de forças especiais.
Estávamos preparados? Não! Apesar do excelente treino físico e mental, recebemos péssima informação cultural e nada a nível de língua local. Tudo se centrou em propaganda anti-sérvia, onde nos era incutido o dever de defender a população civil bósnia dos sérvios, o que nunca me pareceu o serviço de uma força de manutenção de paz, neutra.
Além das lacunas culturais, a informação sobre o terreno era deficiente, a informação sobre as temperaturas incorrecta. O nosso fardamento era inadequado para aquelas temperaturas e não ofereciam qualquer tipo de camuflagem.
Como é que um soldado português vestido de verde escuro, passa despercebido na neve? Ou com esse mesmo verde escuro se consegue camuflar num verão árido sem vegetação, ou até no centro de uma cidade com tantas cores excepto o verde?
As viaturas eram ferro velho do tempo da guerra colonial.
(Soldados portugueses no centro de Sarajevo em frente à biblioteca nacional montados num dinossauro)
O que ainda tínhamos de melhor eram as Galil, arma usada pelos paraquedistas portugueses. No entanto, não eram armas novas ao contrário dos soldados dos outros países que recebiam armamento completamente novo.
Os paraquedistas portugueses apesar de terem um dos melhores treinos militares do mundo, tinham o pior equipamento e acima de tudo não tinham controlo sobre si próprios nem oficiais superiores à altura, tendo sido entregues a oficiais Italianos sem poder de controlar uma tropa tão orgulhosamente independente. O pouco controlo sobre eles era feito por oficiais de baixa patente como eu, que não passavam de putos na altura e que partilhavam do mesmo sentimento dos soldados ao serem colocados nos piores serviços dia após dia por parte de oficiais estrangeiros. Os Portugueses estavam sob comando Italiano que por sua vez estavam sob comando Francês, e como se diz em termos militares "a merda vem de cima". Este termo refere-se ao facto de que sempre que há merda (os termos correctos são "fodas" ou "enrabadelas" verbais), as patentes mais altas atribuem responsabilidades àquela directamente abaixo, por isso a merda descia de franceses para italianos e acabava nos portugueses.
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